O Lendário Jupará
Blog National Geographic Brasil
A prosa começa sempre da mesma forma.
– Tem macaco-da-noite aqui?
– Tem demais! Outro dia mesmo apareceu uns quatro ali, pra lá daquele açaizal.
Se dou trela, o assunto cresce.
– Antesdonte eu tava caçano, e uns gogó-de-sola viero no fogo, se não dou conta, dois pulava no meu pescoço!
E numa conversa que transita o surreal, tento entender aquelas palavras.
– Vamos hoje procurar uns pra eu fotografar?
– Bora!
Numa ‘tradução’ simplificada, eu perguntei a um ribeirinha da Amazônia se existia Jupará ali na região. Jupará é um pequeno e tímido animal, de hábitos noturnos. Um carnívoro arborícola e não um primata. Mas os ribeirinhas chamam de macaco-da-noite pois realmente parece um macaquinho com grandes olhos, que vive nas mesmas regiões e de mesmos hábitos. Já perdi a conta das vezes em que tive uma conversa assim com estes povos da floresta, e a resposta é sempre a mesma. Tem muito e sempre ataca os caçadores (uma inverdade, obviamente). Mas nunca encontrei, mesmo depois de anos fazendo longas caminhadas noturnas. Confesso que o insucesso de não encontrar, de modo algum gera frustração. Pois na busca existe um encontro de mundos. Adoro a forma como aqueles moradores descrevem o bicho, sua fantasiosa agressividade, ‘os ataques ao meu primo’ no pé da fogueira.
O bom disto tudo é que nestas vivências já encontrei diversos outros habitantes noturnos. Macaco-da-noite – o verdadeiro, ouriço-cacheiro, várias espécies de aves, pererecas minúsculas, roedores que desafiam a ciência – seria espécie nova? Sem contar um sem-numero de insetos. E cheiros. Devo dizer: quem um dia conheceu cheiro de onça, nunca esquece. Mas sentir este cheiro quando está sozinho na mata, num lusco fusco de nada enxergar…não é bom, confesso.
Quanto ao Jupará? finalmente o encontrei depois de anos de busca. Numa das minhas viagens à região do Rio Tapajós, no Pará, fiquei muito tempo trabalhando em comunidades ribeirinhas às margens do Rio Arapiuns. Num dos dias fiquei observando e documentando um ninho de harpia em companhia de Ademar, líder de uma das comunidades. E após quase doze horas parados, olhando o comportamento da harpia e seu filhote, voltávamos calados, noite adentro, numa caminhada de quase duas horas. Ademar carregava dois jabutis que serviriam de refeição para família. Foi quando ouvimos um ‘piado’ suave sobre nossas cabeças. Apontei a lanterna e lá estavam dois olhos escondidos na folhagem! A principio pensei ser o macaco-da-noite. Mas olhando detalhadamente vi a coloração do pescoço (daí um outro nome regional: gogó-de-sola) e percebi que era o Jupará!
Apesar de curioso, o bicho é tímido demais, e sua aparição não chega a durar um minuto. Neste tempo tenho que iluminar, preparar o flash, segurar a câmera (que pesa uns doze quilos com a lente, flash e bateria) apontando diretamente para cima, encontrar o bicho na folhagem, atrair sua curiosidade e tentar focar o bicho a uns vinte metros de altura…
O resultado disto tudo? Três ótimas fotos e duas fotos desfocadas. Ademar, que ficou me ajudando com a lanterna, perdeu um jabuti. Ganhei muitos carrapatos mas o enorme prazer de encontrar, e finalmente ver, um bicho talvez tão fantasioso quanto as histórias que se perdem nos cantos da floresta.
Rio Arapiuns, PA, 2012
Corina
29 de maio de 2020 @ 15:14
Suas histórias são fantásticas! A foto está demais! Muito fofinho o bichinho!
Marcia (11963981999)
29 de maio de 2020 @ 15:33
Vc é incrível!!Que determinação e amor!
Considero sua riqueza infinita e ainda com tantas histórias especiais.
O bichinho até tem uma certa “fofura”…rs, mas esse dom da arte é demais!!!foto perfeita!
Bjo
Cecilia Carvalho
29 de maio de 2020 @ 16:19
Adriano,vejo que fico muito emocionada com essas histórias que vc vem contando.
Elas emocionam muito pq não são criadas e sim vividas.
Elas emocionam pq sei que é necessário muito amor pelo que se faz para chegar a contento em algum lugar.
E finalmente me faz entender pq o meu pai gostava tanto do mato.Adorei o Jupará!
Adriano Gambarini
29 de maio de 2020 @ 16:24
Oi Cecilia, fico muito feliz por estar causando sensações boas! E percebido ainda mais porque seu pai, assim como o meu, gostava tanto do mato! Obrigado pelos comentários!
Olga Rabinovich (11985428542)
30 de maio de 2020 @ 20:17
Querido Adriano
Estou sempre me emocionando com suas
estórias e demais com suas fotos sensíveis e belas!
Adorei esse Jupará
Saudades e um grande beijo
Olga R
Andreia Guarlotti
1 de junho de 2020 @ 22:58
Que animal diferente, realmente a floresta é o pedaço de Deus, cada coisa no seu lugar, cada detalhe, cada folha que cai , cada animal que caminha em busca de comida ou sobe na arvore pra se abrigar , e la vai o fotógrafo para captar esse clima…que baita profissão é essa meu deus! 😉🍁🙉
Cecilia Helena Gaspar Desio (11984009986)
2 de junho de 2020 @ 11:15
Adriano, adorei a histotia do Jupará!!!!
E que empenho pra conseguir essa foto linda!!!
Empenho e um monte de desafios!!! Mas valeu à pena!!!
Ana Lucia Tubero (11 982955928)
2 de junho de 2020 @ 14:19
Grande Adriano! Você transforma em palavras o que seus olhos veem com as lentes da alma de fotógrafo e poeta. Obrigada amigo!
Fábio (+553399341462)
7 de junho de 2020 @ 16:45
Sensacional!